28/01/2009

O tiro ao lado...

Proximidade e detalhe

O professor Adelino Fortunato - que suponho ser quem Luís Aguiar-Conraria refere elogiosamente neste post - escreveu em Agosto, no jornal Público, o artigo de opinião "A bolha especulativa do imobiliário", que foi reproduzido pelo blogue A mão invisível, e comentado pelos blogues Dolo Eventual e A-Sul.

Adelino Fortunato começa o seu artigo por referir os receios de algumas instituições internacionais sobre a "bolha" especulativa no imobiliário, a qual ele compara depois com a "bolha" das dotcoms, para concluir que " quando este processo atingir os seus limites e a bolha rebentar, a queda dos preços é inevitável (...) com a agravante de se realizar num contexto de baixa inflação e exigir uma prolongada descida de muitos anos para que se atinjam os valores médios de longo prazo dos preços em termos reais."

A seguir vem a clássica aplicação do fenómeno ao caso português (como é sabido, cada português acha que Portugal é um caso único no mundo, para o bem e para o mal) escrevendo: "O que é especificamente português é a forma irracional do ponto vista urbanístico, ambiental, cultural e social de muitos projectos dos operadores do mercado imobiliário, que se desenvolvem na base de cenários e expectativas sem fiabilidade, e cuja incongruência se combina facilmente com a falta de capacidade política, técnica e cultural das autarquias e do governo central." A previsão catastrófica de AF é que "quando o movimento de descida e contracção das margens de lucro se fizer sentir, quebrando a resistência dos grandes operadores que constroem, muitas vezes, como forma de investimento sem preocupações de venda imediata, o pânico pode invadir o mercado".

Bem, a definição aplicar-se-ia a qualquer "bolha" especulativa em qualquer parte do mundo, mas nós sabemos onde o professor quer chegar: a crítica ao projecto urbanístico conhecido como "Mata de Sesimbra", contra o qual tem escrito vários artigos na imprensa, recorrendo a argumentos como o da ilegalidade duma assinatura do então ministro Isaltino ou o zurzir da "política do betão" das autarquias, etç.

O que caracteriza as bolhas especulativas é que a valorização dos activos das empresas, nomeadamente em bolsa, sobe para patamares acima do seu real valor. O valor de mercado depende da oferta e da procura, mas pode acontecer que a procura se alimente a si própria sem fundamento na realidade: a procura das acções faz subir os seu preço, o que por sua vez realimenta a procura, e assim sucessivamente; é um mecanismo de feed-back que acabará por estoirar, tal como uma bolha que vai inchando até rebentar.

Não creio que seja isso que se passa na Margem Sul do Tejo. O que acontece é que a procura de habitações é enorme e é real. Decorre certamente da macrocefalia lisboeta e da concentração na capital de importantes fluxos financeiros. Isto atrai novas actividades e novos habitantes, que procuram habitação na Margem Sul, dadas as facilidades de acesso a Lisboa, particularmente através da nova ponte. Mas tal concentração de riqueza - a mesma que colocou a região de Lisboa fora dos fundos comunitários - faz aumentar também a procura de segunda habitação. E a margem Sul apresenta condições excepcionais, de clima físico e humano, bem como de acessos, para captar essa procura. Não é portanto verdade que estejamos perante "expectativas sem fiabilidade".

Nem sequer é evidente que, perante esta procura, a oferta esteja desqualificada. Existem empresas pouco qualificadas, mas existem igualmente empresas e grupos económicos altamente qualificados a operar no sector da construção. O problema residirá mais - e aqui concordo plenamente com AF - na capacidade do governo e das autarquias locais para lidar com esta explosão urbanística. É nítido que as grandes empresas e grupos económicos possuem hoje maior capacidade técnica de planeamento e de gestão do que as administrações públicas, o que leva a que, muitas vezes, sejam as empresas a elaborar os "planos de pormenor" em nome das autarquias, como aconteceu com o Vale da Rosa em Setúbal e a Mata em Sesimbra. Este desequilíbrio é que é preocupante, mas a culpa, se a há, não é das empresas mas sim do Estado.

Isto não significa que esses planos não tenham qualidade. No caso da Mata de Sesimbra, existem duas zonas; numa delas, da iniciativa da empresa Pelicano, o plano teve o aval do World Wildlife Fund; na outra, da empresa "Casa Agrícola da Apostiça", o plano foi elaborado pela prestigiada arquitecta Olga Quintanilha, recentemente falecida. Eu sei que a iliteracia actual - mesmo entre os "cultivados" - conduz ao desprezo destes nomes. Mas não deveria ser assim. O que é desejável é que a implementação destes planos, de inegável qualidade, seja acompanhada de um maior controlo pelos poderes públicos e pela sociedade civil.

Em suma: a visão das empresas como grandes especuladores, fazendo política de terra queimada, é um resíduo (ainda volumoso entre nós) do esquerdismo revolucionário que já é tempo de abandonar. A ideia de que as empresas não fazem contas e de que são os poderes públicos que têm de as fazer por elas, já se devia ter evaporado, após o julgamento histórico das nacionalizações. A procura de habitação na Margem Sul não é virtual: é real e dificilmente poderá ser travada através de um radicalismo ambientalista.

Para curar um mal, é essencial um diagnóstico acertado. O diagnóstico de Adelino Fortunato está, no essencial, errado. Não defendo que esteja tudo bem: há problemas, grandes e muitos. Mas por isso mesmo é que devemos agir com inteligência, não aplicando à realidade modelos ultrapassados que vêm nas empresas o explorador maléfico. As empresas movem-se pela racionalidade económica e, sabendo-se que a sua actividade pode ser muito prejudicial em termos colectivos, cabe à sociedade estabelecer os incentivos/desincentivos que permitam preservar os valores ambientais e sociais, dando liberdade às empresas para se moverem dentro desse quadro.

Não se pode impedir um rio de correr, por maior que seja a barragem que se construa; mas pode-se orientar o seu curso. Conviria, pois, apreciar estes problemas com a proximidade e o detalhe que merecem, evitando as ilusórias generalizações - em geral de base ideológica - com que se emolduram em talha dourada pinturas que não valem um chavo.

Domingo, Outubro 30, 2005

João Aldeia in puraeconomia.blogspot.com

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