12/02/2010

Curtos de Vista


Sesimbra é, historicamente, uma vila de gente humilde ligada às actividades primárias. A pesca e a matriz cultural decorrente dessa actividade são marcos na forma de ser e estar da comunidade ‘pexita’. Ainda assim, e mesmo com todas as dificuldades inerentes a uma vida dura e de remuneração aleatória e incerta, o povo desta terra tinha algumas regalias que pareciam prolongar-lhes a vida e que os motivava a ultrapassar todas as dificuldades.
A maior de todas as benesses dadas pela natureza aos habitantes de Sesimbra era a possibilidade de olhar o mar, todos os dias, a todas as horas. Longe vai o tempo em que não havia janela que não permitisse ver o mar, mais longe ou mais perto. Por inteiro ou num recanto da janela, lá estava ele tomando conta de todos, animando-lhes os dias nas horas tristes e temperando a euforia das horas felizes.
Do bairro dos Pescadores ao bairro Infante Dom Henrique todos tinham o seu pequeno miradouro de fundo azul. Hoje, e de há vários anos para cá, um fenómeno político-estratégico borrou o quadro, criando paredes de cimento na primeira linha da praia que bloquearam essa regalia.
Hoje, salvo raras excepções, a vista de mar é um privilégio directamente proporcional à conta bancária. Essa visão redutora que permitiu ocupar todos os espaços da primeira linha com alguns dos prédios mais altos da vila, não só ve(n)dou o acesso dos ‘pexitos’ ao seu mar, como criou uma barreira visual que castrou o sentir salgado dos seres autóctones desta terra.
Seja pelos preços incomportáveis dos apartamentos à beira-mar para a maioria das carteiras, seja pela castração visual que a colocação de um muro representa, a verdade é que os sesimbrenses estão mais pobres.
Até admito que muitos poderão não ter reparado, nem sequer dado por isso, mas invariavelmente todos percebem as consequências desta nova vila que, em certos momentos, quase não reconhecemos. Se formos a muitos pontos da vila e olharmos para sul, em vez do mar, como outrora, apenas vimos as costas de um qualquer empreendimento e ouvimos o grito que uma visão vedada ensurdece.
O peso dessas decisões sobre a identidade de um povo é difícil de medir, mas é tão devastador quanto o fogo num pinhal. Pena que o cimento e o betão são muito mais duradouros.
Este é o primeiro de um conjunto de textos que dedicarei aos princípios do comunismo neoliberal que tem norteado os destinos do nosso concelho, bem como aos seus reflexos.

Texto publicado na edição de 12 de Fevereiro de 2010 no Jornal Nova Morada.

1 comentário:

Alfarim Gossip disse...

Sesimbra é uma Vila movida por interesses económicos e camarários.