20/10/2008

Lições de Arquitectura e Urbanismo

O meu envolvimento na última realização do grupo de Reflexão OBSERVA, onde me integro, dedicada à obra do Arquitecto Francisco da Conceição Silva, tem servido para aprofundar e tornar ainda mais vincadas algumas da minhas convicções em termos urbanísticos e de ocupação do espaço urbano.
Na sexta-feira, 18 de Outubro, dia de abertura da exposição que acompanhará todo o período de duração do evento (de 18 a 1 de Novembro), realizou-se também um colóquio dedicado à obra de Conceição Silva que teve como oradores a investigadora Inês Leite (que se encontra a desenvolver a sua tese de mestrado baseada na obra do arquitecto) e Rui Barreiros Duarte, distinto arquitecto e professor da Faculdade de Arquitectura que no inicio de carreira trabalhou com Conceição Silva no seu atelier.
Apesar do interesse da intervenção de Inês Leite, nomeadamente para conhecimento da vida e obra do arquitecto, foi a intervenção de Barreiros Duarte que mais me marcou. Salientando a particular sensibilidade de Conceição Silva para desenvolver obras que se enquadrassem não só com a envolvente física mas também com a envolvente cultural e com a identidade do local em causa.
Pela recolha efectuada, patente na exposição, Sesimbra terá sido, provavelmente, o local sobre o qual Conceição Silva mais se debruçou, pensando-o de forma integral e integrada. O arquitecto elaborou projectos, muitos por sua própria iniciativa, para quase todos os espaços de Sesimbra, pensando toda a vila como um pólo turístico único e diferenciado através da sua matriz identitária ligada à pesca.
Teve o arquitecto a capacidade visionária para prever em memórias descritivas por si elaboradas (patentes na exposição no Clube Sesimbrense) na década de sessenta, que a não concretização das suas ideias iriam acarretar graves maleitas para o desenvolvimento da vila, prevendo com quarenta anos de antecedência grande parte dos problemas que hoje sentimos, nomeadamente a desertificação da vila, o problema da circulação e a sua descaracterização.
Foi de forma sinceramente grata que verifiquei a presença dos mais altos representantes dos órgãos autárquicos do concelho, como o Presidente da Câmara Municipal e a Presidente da Assembleia Municipal de Sesimbra.
Espero sinceramente que tenham retirado ilações, sobretudo para o processo de revisão do PDM, há pouco iniciado, e que corem quando pensem nas obras autorizadas nos últimos tempos para a Vila de Sesimbra.
O conceito estético e de integração patente na obra de Conceição Silva foi há muito abandonado pela Câmara Municipal de Sesimbra (CMS) e a ideia de que muita obra significa bom trabalho tem de ser colocada em causa.
No momento em que engrossa a vontade de diversos cidadãos (como aconteceu no final do colóquio no Clube Sesimbrense) em requerer a classificação enquanto património nacional de alguns imóveis projectados por este arquitecto em Sesimbra, nomeadamente o Bloco do Moinho e o Hotel do Mar, a CMS prepara-se para edificar em todos os terrenos em redor do Bloco do Moinho e autorizou urbanizações que estão a destruir e a descaracterizar de forma praticamente irreversível o lado poente da Vila no seguimento de outra obra de Conceição Silva, o condomínio Porto de Abrigo (vulgo edifício da “ERG”).
É já tempo de os sesimbrenses perceberem que muita obra não é sinónimo de boa obra nem de qualidade e que fazer mal é muitas vezes pior que não fazer.
Lições como a dada no Clube Sesimbrense por pessoas externas à nossa vida quotidiana servem para nos evidenciar como estão erradas as políticas prosseguidas pelos vários executivos da CMS, sobretudo este.
Importante é também assinalar que há um ano atrás foi, por proposta da bancada do Bloco de Esquerda, aprovada por unanimidade, na Assembleia Municipal, uma recomendação à CMS para classificação do Hotel do Mar e do Bloco do Moinho de imóveis de interesse municipal. Até hoje nada foi feito.

3 comentários:

tesourinha disse...

Nos dias de hoje, onde tudo está envolto em questões ambientais, onde o cidadão comum, os dirigentes, os partidos e os políticos questionam e questionam-se sobre os valores naturais a proteger, o “Hotel do Mar”, o “Bloco do Moinho” e a “ERG”, nunca teriam sido construídas nos locais onde existem.

E se fossem, seriam alvo de fortes críticas, polémicas, debates, manifestos, providências, queixas, injúrias e difamações, em benefício de uma hipotética causa nobre chamada “Ambiente”.

Felizmente para nós, portugueses, e apesar de vivermos num regime ditatorial até 1974, conseguimos ter grandes obras arquitectónicas de grandes arquitectos a quem foi permitido sonhar e criar.

Em pleno século XXI, qualquer um sabe mais de urbanismo e arquitectura do que aqueles que têm a habilitação, a capacidade e a criatividade de propor.

É pena ver grandes projectos, grandes obras, serem “travados(as)” por mera oposição política dos partidos que não estão no poder mas que, se estivessem, concordariam com as propostas apresentadas.

É bom ver e ler que um representante e ex-candidato, tenha esta postura e esta visão sobre o urbanismo e a arquitectura.

Num regime democrático com liberdade de expressão, seria bom vermos mais obras de outros “Conceição Silva”.

Esperemos que você e o seu partido consigam trabalhar com os outros partidos, em benefício do concelho e não apenas numa política desconstrutiva e de oposição.

A exemplo do seu anterior post, esperemos que a sua consciência (e dos seus), prevaleça sobre aquilo que vos mandam votar.

Carlos Alexandre Macedo disse...

Agadeço o comentário, mas não posso concordar com duas das afirmações que avança.
1º Não posso concordar quando diz que "Nos dias de hoje, (...) Hotel do Mar, Bloco do Moinho (...) nunca teriam sido construídas mos locais onde existem", pois é precisamente hoje que se faz muito pior. E em Sesimbra não em África, vidé construção do edificio Mar da Califórnia no dominio publico Maritimo e recortado do Parque Natural da Arrábida e o que se está a fazer na encosta Poente da Vila.
2º Não compreendo porque chama politica "desconstrutiva" à opinião contrária. Parece-me que nunca me ouviu opinar sobre algo sem me explicar ou justificar a minha escolha.

Anónimo disse...

Caro Carlos,

Abro a excepção de intervir num blogue (apesar de ser um atento leitor de muitos ) porque o debate é de grande actualidade e tenho visto que tem agitado algumas mentes !

È bom que aqueles que estão ligados aos executivos autárquicos sintam necessidade de intervir, julgo que é bom sinal porque revela alguma má consciência.

Ao falar de Arquitectura e Urbanismo estudar a sua Historia e salvaguardar o Património construído , sobretudo aquele que é unanimemente reconhecido como de grande qualidade é motivo de grande satisfação. Vi um blogue onde se tenta "comparar" (e branquear!) uma obra recente e polémica, com o Hotel do Mar utilizando imagens também “criteriosamente” escolhidas.

Gostaria neste blogue que me parece de tom elevado desmontar humildemente tal comparação.
Aquilo que se mostra do Hotel do Mar (foto aérea) pelo ângulo (vista do pássaro) é sobretudo a ala poente que não é autoria de Conceição Silva , e quem acompanhou a visita guiada do passado sábado pode compreender onde e como aquela ampliação afectou a Arquitectura e a concepção do projecto original.

È verdade que o paradigma ambiental não estava na ordem do dia nessa altura , é verdade que também não era essa a preocupação da ordem monástica que edificou o convento da Arrábida e no entanto são ,os dois, belos exemplos do nosso património que muito enriquecem e identificam a nossa região e cuja realização celebra e não destrói a paisagem.

Então o que é que distingue os dois edifícios que torna um como uma grande intervenção Arquitectónica respeitando o “genius locci” e o outro não ?

O projecto do Hotel do Mar respeita de forma sábia a morfologia do terreno , não dissipando ou escamoteando a Arquitectura , pelo contrário afirmando-a e articulando formas e volumes com a envolvente ,explorando enfiamentos , luz, criando uma diversidade de relacionamento de espaços e dialogo com a paisagem, tão sábia que nos leva afirmar que o local complementou o génio e o talento de um grande arquitecto.

Mas C.S, não fica só pelo local , fundiu a Arquitectura de raiz popular e vernacular com a Arquitectura moderna, quem teve a sorte de acompanhar a visita comentada pode ver aquela escada de cantaria em caracol ou as conversadeiras dos quartos para perceber como essa fusão é sábia e genial.

O outro edifício é exactamente a antítese e porquê:
Primeiro foi projectado e construído (pasme-se ) quando o paradigma ambiental e paisagístico já eram a preocupação das preocupações ! Não parece pois não ?
Já correu tanta tinta e imagens sobre o atentado ambiental deste edifício que não é preciso alongar-me muito .

Construído numa arriba a sua forma e concepção podia estar em qualquer lugar , num qualquer boulevard de uma qualquer frente balnear de um qualquer local , dos muitos que conhecemos desses destinos incaracterísticos do chamado turismo de massas .

A concepção deste edifício serve o programa que foi imposto aos Arquitectos que o realizaram , numa lógica de maximização da sua rentabilização económica, enquanto no H.do Mar o programa e o conceito foi pensado e inventado por C.S. (nunca até á data tinha sido criado nada assim) para viabilizar única exclusivamente uma unidade hoteleira.

O Hotel do Mar apesar de ameaçado e adulterado continua a ser um ícone de Sesimbra enquanto o outro edifício é, e continuará a ser, mais uma intervenção das muitas que desde a década de setenta foram acontecendo e infelizmente , apenas nisso e só nisso , se identifica com a envolvente , um amontoado de edifícios de dimensão exagerada que de forma algoz devoram a paisagem e subvertem as características identificadoras de Sesimbra.

Hoje perguntamo-nos o porquê de não termos seguido os bons exemplos , convido todos a visitar a exposição até dia 31 no Clube Sesimbrense e imaginar como seria Sesimbra se o projecto de ocupação da encosta de Palames (1965)do Arq. Conceição Silva tivesse sido realizado.